CFESS articula estratégias contra novas medidas que dificultam o acesso da população e permanência no BPC

Em julho de 2024, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) anunciou a publicação de novas portarias conjuntas com o Ministério da Previdência Social que, segundo divulgação no site do Governo Federal, seriam para “garantir que o Benefício de Prestação Continuada (BPC) chegue a quem mais precisa”.

Entretanto, desde a publicação das normativas, assistentes sociais que atuam nas políticas e serviços dessas duas áreas vêm observando e denunciando os problemas de acesso da população usuária ao benefício, bem como a falta de investimento nessas políticas, que impactam na qualidade do atendimento.

Mas que portarias são essas e que problemas elas trazem?

Portaria Conjunta MDS/MPS nº 27/2024 definiu prazos e procedimentos específicos para a atualização cadastral de beneficiários(as) do BPC, com ênfase em quem está com cadastro desatualizado há mais de 48 meses. Pela normativa, as pessoas têm 90 dias para atualização cadastral. Quem não faz essa atualização fica com o benefício suspenso e o pagamento bloqueado e, caso não regularize, o mesmo deverá cortado.

Problemas

O que ocorre é que essas pessoas estão sendo chamadas aos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) e a unidades de cadastramento, entretanto, esses espaços não têm tido capacidade de absorver a demanda de atendimentos, seja pela falta de recursos humanos ou de estrutura, gerando filas enormes de espera.

“Há um nítido aumento do volume de trabalho das equipes que atuam no cadastramento e atualização cadastral, sem ampliação de investimento, colocando em risco o direito daquela pessoa que terá o benefício cortado por não ter sido atendida a tempo pelos equipamentos”, explica a assistente social do Cras de São José dos Pinhais (PR) e conselheira coordenadora da Comissão de Seguridade Social do CFESS, Karen Albini.

Em novembro, se encerrará o prazo para atualização. E a pessoa beneficiária que não foi informada e não atualizou o cadastro só terá ciência quando o pagamento do BPC for bloqueado. E até que o problema seja resolvido, ela ficará sem sua única fonte de renda e de sobrevivência.

Outro problema é que nem a portaria e nem outra estratégia do Governo Federal falam em incremento financeiro para contratação de pessoal para os postos de trabalho, para atitudes proativas das equipes para localização de pessoas beneficiárias, realização de entrevistas, orientações, campanhas entre outras ações.

Portaria Conjunta MDS/INSS nº 28/2024

O documento determina que "os requerimentos do BPC que passarem por alteração cadastral com indícios de inconsistência durante o processo de análise deverão ser submetidos à averiguação própria para verificação das novas informações prestadas".

Na prática, além dos critérios já estabelecidos por lei para acesso ao BPC, a portaria exige o cadastramento biométrico da pessoa beneficiária (coletado seja por meio da obtenção da nova Carteira de Identidade Nacional, da Carteira de Habilitação ou do Título de Eleitor/a).

Problemas

Relatos apontam que as pessoas beneficiárias só se dão conta disso quando o BPC é suspenso por “divergência cadastral”. “As agências do INSS, que deveriam ser outro canal de informação, não atendem a população para esta demanda, muito pelo contrário, estão com os atendimentos cada vez mais restritos, por meio de plataformas digitais, que dificultam o acesso das pessoas com pouca familiaridade com o ambiente digital”, aponta a assistente social do INSS e conselheira do CFESS Angelita Rangel.

Isso acaba obrigando a população beneficiária a buscar intermediários que cobram pela execução de um serviço que deveria ser público.

Ou seja, o acesso por meio remoto a serviços e benefícios ofertados pelo INSS vem incentivando a sua mercantilização, à medida que força a população a recorrer a meios privados para acessá-los, por ausência de conhecimentos e de ferramentas de tecnologia de informação.

 

“O Serviço Social do INSS, portanto, que poderia ser uma porta de acesso a estas e outras informações, está se transformando em um serviço de avaliação social, quando o INSS dificulta ou mesmo impede a realização das atribuições próprias de assistentes sociais, a exemplo do serviço de socialização de informações previdenciárias e assistenciais”, enfatiza Angelita.

 

Com relação aos benefícios que já estão sendo bloqueados por ausência de atualização cadastral, o INSS tem orientado as pessoas beneficiárias a procurarem os Cras ou ligarem na central 135 para solicitar o desbloqueio, o que configura mais uma burocracia para a população, além de sobrecarga para profissionais do Suas, cuja área não tem aporte financeiro para incremento das equipes, ou ainda de condições para desempenho de funções na escala que se apresentou.

 

Atualização cadastral x averiguação

Para a presidenta do CFESS Kelly Melatti, a atualização cadastral pode ser uma estratégia importante e necessária para o acesso à benefícios, mas, para se chegar a essa conclusão, seria necessário um amplo debate com pesquisas e envolvendo diversos setores da sociedade.

 

“A atualização cadastral não pode ser uma forma de punição a pessoas beneficiárias que, por algum motivo, não acessam os serviços, pois isso seria uma dupla punição, inclusive. Da mesma forma, é preciso muito cuidado para que tais ações não tenham “caráter fiscalizatório” e que, sobretudo, não recaia sobre assistentes sociais a tarefa de averiguação de informações constantes em cadastros”, explica.

 

A tarefa de averiguação cadastral, também em curso no momento, não é atribuição de assistente social, sobretudo de quem atua no Serviço de Atenção Integral à Famílias (Paif) e não pode ter caráter fiscalizador, moralizador e punitivo em face das pessoas beneficiárias.

 

“É necessário que o Governo Federal promova campanhas de orientação e de incentivo à atualização cadastral, com recurso e investimento para tal ação. De modo que isso signifique ampliação de direitos para a população, e não morosidade, filas e corte de benefícios”, complementa Karen Albini, do CFESS.

 

População migrante em risco

A Portaria Conjunta MDS/INSS nº 28/2024 tem gerado outro problema mais grave: o impedimento para solicitação de novos pedidos de BPC em virtude da ausência de cadastramento biométrico. O que a portaria não considera é que pessoas migrantes não possuem registro biométrico no Brasil, tendo em vista que os documentos aceitos no cadastro biométrico é CIN, CNH e Título Eleitoral.

 

“O BPC é garantia de acesso a renda que, estando dentro do perfil de acesso, deve ter o direito garantido. Mas com essa medida, pessoas migrantes não estão acessando o benefício, denuncia Karen Albini, conselheira do CFESS que trabalha no Cras de São José dos Pinhais (PR), cidade da região metropolitana de Curitiba com fluxo migratório oriundo da Venezuela, Haiti, Paraguai entre outros países.

 

Portarias atendem aos “cortes” impostos pelo “mercado” e entidades se mobilizam

Se por um lado, o Governo Federal defende que as novas portarias contribuirão para evitar fraudes de acesso ao BPC e para regularização de cadastro da população usuária, ele omite que tais medidas, na verdade, são uma forma de enxugar ainda mais o parco orçamento para as políticas sociais.

 

Segundo reportagem veiculada pela Folha de São Paulo em 7 de agosto de 2024, “o pente-fino no BPC é uma das principais apostas da equipe econômica para alcançar o corte de R$ 25,9 bilhões em despesas obrigatórias prometido pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) e avalizado por Lula para fechar as contas de 2025”. De acordo com a matéria, há uma previsão de cancelamento de mais de 670 mil benefícios, totalizando quase R$ 6,6 bi de corte no orçamento de 2025, segundo projeção do Executivo.

 

Tais questões vêm sendo debatidas pelo CFESS em articulação com o Fórum Nacional de Trabalhadores e Trabalhadoras do Sistema Único de Assistência Social (FNTSUAS) e com Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS).

 

Para Jucileide Nascimento, representante do CFESS no CNAS, as mudanças impostas pelas normativas promoverão um processo ainda maior de focalização e restrição do acesso às seguranças afiançadas pela política de assistência social, em especial à segurança de renda. 

 

“Concordamos que o Cadastro Único é um instrumento importante para identificar as famílias e indivíduos que precisam de proteção social estatal. No entanto, o mesmo não pode ser transformado em um mecanismo de restrição de acesso aos direitos socioassistenciais previstos na Lei Orgânica de Assistência Social e protegidos pela Constituição Federal de 1988. As medidas, no âmbito da política de assistência social, devem ser no sentido de ampliar a proteção socioassistencial”, enfatiza Jucileide. 

 

Na opinião de Viviane Peres, diretora da Federação Nacional de Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social (Fenasps), o BPC é fruto da luta da classe trabalhadora, especialmente para garantir acesso à renda mínima para pessoas idosas e pessoas com deficiência. “Assim, os ataques sistemáticos a esse benefício nos últimos anos, seja por meio de atos infralegais ou medidas de gestão do INSS, precisam ser combatidos pelas entidades sindicais, movimentos sociais, conselhos de classe e toda a sociedade. A Fenasps se coloca nesta luta, na defesa deste benefício essencial para minimizar as desigualdades sociais no Brasil”, afirma.

 

Portanto, fica nítido que tais portarias vão além de uma “regularização de cadastro” e de “combate a fraudes”, e sim, fazem parte do conjunto de medidas para estrangular ainda mais o financiamento das políticas sociais, como o CFESS vem apontando desde 2023, com a aprovação do Novo Arcabouço Fiscal.

 

Em 2023, CFESS, Abepss e Enesso divulgaram nota criticando a política neoliberal de desfinanciamento das políticas sociais. “O ‘novo’ arcabouço prevê um rebaixado teto de investimentos sociais, permitindo um crescimento real das despesas primárias de apenas 0,6% a 2,5% ao ano, condicionado também ao limite de 50% a 70% do crescimento real da arrecadação, e às metas de resultado primário. Caracteriza-se como uma articulação do governo com o setor econômico, que não busca romper com o projeto neoliberal e que captura o fundo público ao limitar os recursos para as políticas sociais e destiná-los para o pagamento de juros e encargos da dívida pública”, diz trecho da nota.

 

O que as entidades vêm denunciando é que por trás do discurso do controle e direcionamento dos investimentos sociais do governo, há, na verdade, o gesto de atender o ‘grande capital’, restringindo ainda mais os direitos da classe trabalhadora, além de limitar o financiamento público nas políticas sociais.

 

“Esse cenário de ofensiva neoliberal repercute diretamente na qualidade dos serviços públicos prestados e dos benefícios sociais destinados à população; nas condições de trabalho e nos salários das/os trabalhadoras/es das diversas políticas sociais; na ausência de concursos públicos e na defasagem progressiva do salário-mínimo, atingindo a sobrevivência das classes trabalhadoras, beneficiando, mais uma vez, representantes da classe dominante e o mercado financeiro”, afirma também a nota do CFESS.

 

Outra perigosa discussão que vem tomando o Governo federal e Congresso Nacional é a possibilidade de desvinculação do valor do BPC e de outros benefícios (como abono salarial e seguro-desemprego) do salário mínimo. Mas é preciso que se amplie medidas para preservar direitos e não que aprofundem a desigualdade e a exclusão social.

 

Audiência pública e mobilização da categoria

O CFESS articula a realização de uma audiência pública na Câmara dos Deputados, em Brasília, juntamente com a Comissão de Legislação Participativa, para convidar entidades, movimentos e fóruns da área a debater sobre as normativas e verificar as possibilidades de reversão, bem como da articulação, junto a parlamentares, para designação de recursos para a política de assistência social. 

 

A atividade ainda não está com data definida e será divulgada em breve, para a qual o CFESS convida a categoria a participar desde já. 

 

“Convidamos nossa categoria de assistentes sociais, que no seu cotidiano atende diretamente a população usuária e tem lidado com todas essas questões, para lutar, junto com demais setores da classe trabalhadora, pela ampliação do financiamento público das políticas sociais e para se posicionar contra medidas que burocratizam e retiram a possibilidade de quem mais precisa ter acesso ao BPC. Não são portarias que vão resolver o problema da falta de financiamento público adequado e da sustentabilidade da Seguridade Social, que deve ser universal. É preciso garantir a proteção social e os direitos da classe trabalhadora, o que requer engajamento nas lutas e respostas firmes frente ao neoliberalismo que ao entregar o que o mercado ‘exige’ continua devastando diretos arduamente conquistados” , finaliza a presidenta do CFESS, Kelly Melatti.

 

Recentemente, o CFESS se tornou signatário do Manifesto contra o Pacote Antipovo, que condena “de forma veemente o conjunto de medidas de cortes sociais anunciado pelos ministros Fernando Haddad e Simone Tebet para o final deste ano”.

 

O documento aponta que as áreas alvo desses ataques já estão definidas: saúde, educação, Benefício de Prestação Continuada (BPC), seguro-desemprego e outros direitos essenciais e que tais medidas fazem parte de uma estratégia de austeridade que aprofunda o Novo Arcabouço Fiscal e ataca diretamente conquistas sociais históricas.

 

“O pacote de austeridade agora anunciado e amplamente divulgado pela imprensa é a segunda fase desse programa: um ataque direto aos direitos sociais, buscando comprimir o que é garantido pela Constituição para que caiba dentro de um teto de gastos artificialmente limitado. As medidas em discussão incluem a flexibilização de direitos trabalhistas, como a redução da multa de 40% do FGTS para demissões sem justa causa e do seguro-desemprego, além de possíveis alterações no abono salarial e no BPC. O objetivo é claro: reduzir e restringir direitos básicos para obedecer às regras fiscais que priorizam as exigências do mercado às custas do bem-estar social. Mas quem paga essa conta? No caso do BPC, as principais vítimas são mulheres idosas negras e pessoas com deficiência, que constituem a maioria das beneficiárias e dependem diretamente desse programa para sobreviver”.

 

Assine o manifesto

 

Relembre a nota das entidades contra o Novo Arcabouço Fiscal

 

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